MATA ATLÂNTICA, UM PARAÍSO PERDIDO

ENSAIO POR MANUELA MENA

 

Denise Milan apresenta, nesta exposição, um trabalho que não veio à luz durante anos apesar de ter publicado o livro Fumaça da Terra em 2006, quando já demonstrava seu interesse e sua preocupação com a área frágil, ameaçada e em estado de mudança da mata tropical brasileira.

No entanto, aqui não se trata de extinção, mas da visão de um mundo fascinante da Mata Atlântica sob o olhar e a imaginação da artista. As fotografias que Denise Milan reuniu durante vários anos na comunidade de Cairuçu, nos arredores de Paraty, da mata, da vegetação local, das praias banhadas pelo Atlântico e incluindo a população local, têm sido utilizadas em um processo de metamorfose para aprofundar seu conhecimento sobre as espécies e compreender a íntima união entre a natureza e seus habitantes. Apesar da tragédia contínua do progresso contra a preservação da biodiversidade da Mata Atlântica entre São Paulo e o Rio de Janeiro restam, no entanto, algumas áreas de rara e exuberante beleza da mata virgem, termo este que dificilmente pode ser aplicado neste caso, pois a profanação desta natureza privilegiada e única da América do Sul teve início já à época dos descobrimentos, no longínquo século XV.

As fotografias e colagens de Denise Milan são um documento autêntico de enclaves na mata e da variedade de sua vegetação; porém, fundamentalmente, revelam a fertilidade da natureza e de seus habitantes onde um casal pode gerar dezenas de filhos, netos e bisnetos.

Vivem há séculos os caiçaras nesta região, unindo seu sangue indígena às sucessivas campanhas de colonizadores, e ao mesmo tempo fundindo-se à natureza e respeitando seus recursos naturais. A mata multiplica-se de maneira abundante em sua rápida cadeia de vida e morte, alcança o equilíbrio perfeito do jardim do paraíso onde a humanidade contempla sua própria origem. Frutas, árvores caídas e flores ressecadas iniciam sobre a terra escura um novo ciclo de vida onde surgem as delicadas bromélias, como clépsidras, a marcar com sua água acumulada entre as folhas, o tempo eterno da selva.

As águas do Atlântico e dos rios definem a selva. Condensa-se na bruma que se levanta ao amanhecer, convertendo-se em extenso e prateado “Mar Branco” – o nome em guarani da cidade histórica dos caiçaras, Paraty, no cenário composto também pelo oceano, que traz a luz e a chuva pela mata, e que tudo fertiliza.

Denise Milan transforma este mundo que está a desaparecer em uma oferenda aos deuses da fertilidade e da abundância, a Kurupi (deus da fertilidade), a Tupã, a Gianderu, e aos infinitos matizes de verde.

As esplendorosas tonalidades das flores em suas colagens fragmentadas nos oferecem a chave para não perdermos de vista o caminho da esperança e da recuperação deste paraíso perdido. A quietude própria da selva guarda uma dimensão pictórica da natureza morta, pois nada aqui se move – a vibração de uma pequena folha, isoladamente, mais parece representar o infinito do tempo ao ser tocada, de maneira mágica, por uma brisa intangível que parece chegar de outra dimensão e mostrar o caminho parauma nova vida.

 

Manuela Mena, curadora sênior de pintura do século XVIII e Goya no Museu do Prado. Escreve sobre a arte espanhola e italiana dos séculos XVII e XVIII, e desde 1996 dedica-se especialmente a Goya, publicações e exposições sobre sua figura. Atualmente trabalha como parte da equipe que irá desenvolver o catálogo raisonné dos desenhos do Goya.